Após casos de trombose venosa profunda (TVP) em pacientes que receberam a vacina Covid-19 AstraZeneca, alguns países europeus suspenderam o uso de um lote específico da vacina, para uma avaliação da possível relação causa-efeito.
Este artigo foi atualizado em 27 de abril de 2021.
No Brasil, a Anvisa emitiu comunicado técnico em 16/03/2021 sobre o assunto. A agência conduziu uma avaliação de seis casos de TVP em pacientes que receberam dose da vacina Covid-19 AstraZeneca (CoviShield). A avaliação da segurança da vacina conduzida pela Anvisa (GFARM/GGMON/DIRE5/ANVISA) não aponta alteração no equilíbrio benefício‐risco da vacina e recomenda a continuidade do seu uso na população brasileira, sem que haja a necessidade de qualquer medida regulatória neste momento.
A Anvisa solicitou ao fabricante a inclusão na bula, no item advertências e precauções, informação sobre a possibilidade de ocorrência de casos muito raros de coágulos sanguíneos associados a trombocitopenia. Apesar de graves, esses eventos se mostraram muito raros, o que preserva a segurança da utilização da vacina na população.
Até março/2021, já haviam sido aplicadas mais de três milhões e oitenta mil de doses da vacina Fiocruz/ Oxford/ AstraZeneca no Brasil. Confira a seguir perguntas e respostas sobre esse episódio, reproduzidas com base em informações apuradas por El País e pela própria Anvisa.
Por que alguns países deixaram de administrar a vacina da AstraZeneca?
Inicialmente, autoridades sanitárias austríacas detectaram dois casos graves de trombose depois da inoculação da vacina. Uma dessas pessoas morreu 10 dias depois de receber a vacina, e outra precisou ser hospitalizada com embolia pulmonar. Depois, a Dinamarca detectou outro caso de trombose grave depois da inoculação do fármaco.
Então, alguns países também anunciaram suspensões na vacinação com a AstraZeneca, mas só de um lote concreto (o ABV5300), que estava relacionado aos casos de trombose. Essa foi a decisão adotada pela Áustria e também por Letônia, Estônia, Lituânia, Luxemburgo, Itália, Romênia e algumas regiões da Espanha.
O que é uma trombose venosa profunda?
A trombose venosa profunda (TVP) caracteriza‐se pela formação de trombos dentro de veias profundas, com obstrução parcial ou oclusão, sendo mais comum nos membros inferiores – em 80 a 95% dos casos.
Em relação aos eventos trombóticos, a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular estima, de maneira geral, 60 casos de TVP para cada 100.000 habitantes ao ano. A incidência pode ser maior entre pessoas na faixa dos 70 a 79 anos: 300‐500 casos/100.000 pessoas ao ano. Essa faixa etária está entre os grupos prioritários para vacinação no Brasil.
Na Europa, alguns pacientes tiveram um quadro específico de TVP, conhecido como trombose venosa cerebral. Trata-se de um tipo de trombose muito pouco frequente, da qual foram detectados 11 casos na Europa depois da administração da vacina Covid-19 AstraZeneca.
“A trombose de seio venoso é um coágulo que impede que o sangue saia do cérebro. Se afetar uma veia pequena, provoca uma dor de cabeça ou um ataque epilético. Se afetar um seio [veia] grande, pode provocar um edema cerebral, aumenta a pressão cerebral e pode acarretar uma complicação muito grave” Jaume Roquer, chefe de Neurologia do Hospital del Mar de Barcelona.
O médico confirma que são episódios raros – 0,5% de todos os acidentes vasculares cerebrais –, com sintomas muito inespecíficos. Pode ser tratada com anticoagulantes e, em 90% dos casos, é curada sem sequelas.
Está provada a relação entre a vacina e os casos de trombose?
As evidências apontam que sim. Casos de trombocitopenia grave e trombose venosa profunda foram associados ao uso da vacina, mas são extremamente raros.
Pesquisadores que analisaram essa relação de causalidade chegaram à mesma conclusão: que esses eventos trombóticos graves incomuns, acompanhados de trombocitopenia, são causados por anticorpos intrusos antifator 4 plaquetário (PF4), que causam agregação plaquetária maciça e trombose, resultando na diminuição da contagem plaquetária no organismo, o que por sua vez promove sangramento. Os pacientes podem, assim, ter simultaneamente trombose grave e sangramento grave.
A síndrome é muito semelhante ao quadro bem conhecido de trombocitopenia induzida pela heparina (TIH), sendo diagnosticada e tratada da mesma forma, com a administração de imunoglobulina intravenosa (IVIG) e anticoagulantes. A síndrome associada à vacina foi batizada de trombocitopenia trombótica imunitária vacinal.
No Brasil, desde a suspeita de países europeus, a Anvisa revisou apenas seis casos de eventos tromboembólicos ocorridos no Brasil suspeitos e, em conjunto com a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, mas ainda não encontrou sinais de causalidade entre os eventos comunicados e o uso da vacina no país. Essas conclusões podem mudar com eventual surgimento de novos casos no país.
Qual é o risco de ter trombose após a vacinação?
O risco de trombose é maior em quem pegou Covid-19 do que em vacinados contra a doença, segundo estudo da Universidade de Oxford foi divulgado pela Fiocruz.
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Oxford indica que o risco de ocorrer trombose venosa cerebral (CVT, no acrônimo em inglês) em pessoas com Covid-19 é consideravelmente maior do que nas que receberam vacinas baseadas na tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), como os imunizantes da Pfizer, Moderna e Oxford/AstraZeneca, produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Embora a magnitude do risco não possa ser quantificada com certeza, o risco após a Covid-19 é aproximadamente de 8 a 10 vezes o relatado para as vacinas, e cerca de 100 vezes maior em comparação com a taxa da população. O aumento do indice de CVT com a Covid-19 é notável, sendo muito mais marcante do que os riscos aumentados para outras formas de acidente vascular cerebral e hemorragia cerebral”, diz o estudo. “Os dados de trombose da veia porta (PVT) destacam que a Covid-19 está associada a eventos trombóticos que não se limitam à vasculatura cerebral”.
Como a vacina Covid-19 AstraZeneca funciona?
A Vacina Covid‐19 AstraZeneca é um medicamento administrado para prevenir a doença coronavírus 2019 (COVID‐19) em pessoas com 18 anos ou mais.
A Vacina é composta por outro vírus (da família dos adenovírus) que foi modificado para conter o gene para a produção de uma proteína do SARS‐CoV‐2. A vacina COVID‐19 AstraZeneca não contém o vírus em si e não é capaz de causar a doença.
Os efeitos colaterais mais comuns da Vacina Fiocruz/ Oxford/ AstraZeneca COVID‐19 são geralmente leves ou moderados, envolvendo cefaleia (dor de cabeça), pirexia (febre) e dor (incluindo dor muscular). Em alguns casos, podem ser observados calafrios. Estas reações melhoram alguns dias após a vacinação.
Como o profissional da saúde pode notificar reações adversas pós-vacinação (EAPV)?
Evento Adverso Pós-Vacinação (EAPV) é qualquer ocorrência médica indesejada após a vacinação e que, não necessariamente, possui uma relação causal com o uso de uma vacina ou outro imunobiológico (imunoglobulinas e soros heterólogos). Um EAPV pode ser qualquer evento indesejável ou não intencional, isto é, sintoma, doença ou um achado laboratorial anormal.
A grande maioria dos EAPV é local e/ou sistêmico de baixa gravidade. Por essa razão as ações de vigilância são voltadas para os eventos moderados e graves.
O profissional da saúde, seja farmacêutico, enfermeiro ou médico, pode fazer a notificação de EAVP diretamente à Anvisa através do sistema VigiMed.
Referências
Greinacher A, Thiele T, Warkentin TE, Weisser K, Kyrle PA, Eichinger S. Thrombotic Thrombocytopenia after ChAdOx1 nCov-19 Vaccination. N Engl J Med. 2021 Apr 9. doi: 10.1056/NEJMoa2104840.
Schultz NH, Sørvoll IH, Michelsen AE, Munthe LA, Lund-Johansen F, Ahlen MT, Wiedmann M, Aamodt AH, Skattør TH, Tjønnfjord GE, Holme PA. Thrombosis and Thrombocytopenia after ChAdOx1 nCoV-19 Vaccination. N Engl J Med. 2021 Apr 9. doi: 10.1056/NEJMoa2104882.